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artigo escrito em parceria com Anderson Penha para a revista ABC Design.

Estamos em 2014 e o design tem se manifestado mais como verbo do que como ofício. Projetar tornou-se uma inquietação e tem nos possibilitado intervir nos desafios e dilemas complexos gerados pela sociedade contemporânea tais como estilo de vida, os problemas crônicos das cidades ou o aquecimento global.  Indivíduos (não necessariamente formados em design) estão se lançando em verdadeiras jornadas em busca de algo maior do que eles mesmos, tentando mudar a vida das pessoas e o mundo em que vivemos, projetando intervenções que impactam as gerações atuais e futuras. O mitólogo Joseph Campbell em sua Jornada do Herói revela indivíduos que se arriscam em mudar o status quo e que entram numa aventura cujo fim desconhecem, mas aceitam o desafio e as provações que poderão levá-los ao sucesso mas também ao fracasso. O herói de Campbell está presente em praticamente todos os mitos e sem a existência desses indivíduos capazes de explorar e expandir seu próprio potencial de criação, não seria possível o continuum de transformação em nossa sociedade. Intervenções em ambientes complexos criam um movimento sociodinâmico de homeostase capaz de gerar um fluxo livre e ininterrupto de destruição criativa (no hinduísmo associado aos deuses Shiva e Brama), onde a única verdade é que toda criação gerada no sistema se torna um potencial gatilho para a transformação.

A virada do atual milênio pode ter provocado nos indivíduos esse tipo de impulso, algo similar ao que aconteceu em outros momentos da história como no Renascimento ou na virada do século XIX para o XX. Uma certa sincronicidade, potencializada pela conectividade e ubiquidade do nosso tempo, pode estar criando uma consciência global e autocrítica sobre os modelos (econômicos, sociais, tecnológicos, políticos e ambientais) dentro dos quais temos vivido. No entanto, todos nós fomos educados para resolver problemas dentro de nossas especialidades (engenheiro, advogado, economista). Em geral nossa resposta como especialista traz simplismo e convencionalismo na solução de problemas complexos, não à toa em nossa sociedade observamos um esgotamento dos modelos. Criar mais um processo, produto ou serviço de modo isolado e especializado já não atende o real problema. Projetar na complexidade faz portanto surgir modos de pensar mais holísticos procurando integrar distintos campos do conhecimento na busca por novas respostas[1]  para novos (e antigos) problemas. Indivíduos atuando nesta trama se apoderam da liberdade de criar e recriar seus próprios códigos, crenças e valores, destruindo mitos, rituais e símbolos conservados por nossa cultura, gerando um desequilíbrio momentâneo no sistema. Indivíduos conscientes do seu livre pensar, criar e agir vivem uma relação paradoxal de liberdade condicional.

Durante a revolução industrial presenciamos o fenômeno da alienação[2], o divórcio entre o pensar e o fazer. Quando o artesão de ofício (os designers e criativos daquele tempo) perde para as indústrias as ferramentas e os recursos que viabilizavam sua criação. Curiosamente nos dias de hoje surge um movimento inverso em que a criação se populariza por meio de ágoras físicas e digitais, onde qualquer indivíduo criativo (designers de ofício ou não) podem aprender individualmente ou coletivamente a libertar suas mentes para criar, projetar e desenvolver soluções de alta qualidade que atendam suas próprias necessidades ou necessidades da sociedade. Estes indivíduos preferem aprender com seus próprio erros e acertos e às vezes contam com o apoio de mentores incomuns, como um amigo do lado. Após décadas de dogmatização do profissional criativo reconhecido pela sua genialidade e importância na massificação, padronização e mecanização de novos conceitos, ingressamos na homeostase social[3]. Práticas como a digitalização da produção ou a cocriação fazem emergir empreendedores criativos que atuam muito além do design de ofício, produzindo e espalhando seus ideais pelo mundo de forma não ortodoxa. Aplicando modelos econômicos (quase irracionais) como o freemium e o crowdfuning, os novos criadores são aos arautos desse novo tempo. Diversos estudos, um deles realizado pela IBM[4] com 1500 lideranças e confirmado por outro da Adobe[5] , sugerem que sem a liderança criativa (creative leadership) ou a confiança criativa (creative confidence) não será possível solucionar os desafios capciosos do nosso tempo.  A jornada é às vezes individual, de pequenas equipes, organizações ou grupos sociais onde criação é um ato de ativismo, quase invisível nesse emaranhado de transformação. Hoje vivemos o futuro do passado em que alguém projetou os artefatos, as instituições, as regras e o ambiente em que vivemos. Nosso estilo de vida móvel, disperso, conectado, foi projetado há menos de 30 anos atrás por não designers, mas por indivíduos que decidiram criar seus (nossos) futuros.  Lugares como California (Vale do Silício), Londres (Inglaterra), Tel Aviv (Israel) e Berlim (Alemanha) já sentem os efeitos, às vezes silenciosos, de um protagonismo social nunca antes visto.

O design para este mundo complexo – o mundo sempre foi complexo, nós é que o simplificamos, o reduzimos por um tempo – volta a ser o verbo que cataliza e estimula a (re)conexão e interação entre agentes, sejam eles humanos ou não humanos (objetos, plantas, animais, rios, mares) e que permita pelas interações fazer emergir suas próprias perguntas e respostas.  Neste contexto o desginer faz um trabalho constante de modulação: mediação, articulação, interpretação e adequação. Ele passa a viver no meio, no não lugar, no in between entre pólos opostos: individual versus coletivo, fechado versus aberto, público versus privado, orgânico versus inorgânico, físico versus virtual. O projetar coisas concretas (ou abstratas), simples e memoráveis, com um rigor estético e funcional, acessível e intuitivo aos indivíduos, este continua sendo o mantra do designer industrial como modelador. O modelador segue o modo de pensar do design como ofício do input (seguir o briefing) -> processamento (criar e dar forma) -> output (massificar). O mundo contemporâneo requer o modular além do modelar.  Nestes últimos anos é possível notar que temas como degradação do meio ambiente, consumo consciente, modos de aprendizagem não convencionais, entre outros, tem sido abordado por diversos campos do conhecimento passando a ser temas transversais, onde a soluções dos problemas não passa mais por uma única visão modeladora. Aos pouco nos damos conta de que nossa sociedade sempre esteve em ebulição e que de tempos em tempos regras e valores são colocados à prova, mantendo viva a tensão criativa, entre os adeptos (de novos modelos) e reacionários (fã de carteirinha dos modelos clássicos, que um dia também foram novos). Neste contexto o design se torna uma plataforma de diálogo aberta para modular as diversas tensões sociais e modelar soluções de arquitetura aberta, onde indivíduos e coletivos possam adequar tais soluções às suas necessidades.

O designer (seja ele de ofício ou não) se torna um catalizador que estimula, articula, valoriza e potencializa qualquer individuo criativo ou expert ao seu redor, bem como o intérprete social que usa a linguagem como sua principal ferramenta de criação e a mídia como adequação da linguagem. Esse movimento libertário e participativo tem se mostrado um caminho para a solução de problemas complexos, cujo escopo nunca está claro e a solução reside na junção de diversos campos do conhecimento.

[1] A convergência técnologica , NBIC (siglas para integração da Nano, Bio, Info e Cognição) tornou-se um mantra em escolas como o MIT e Singularity University nos EUA, onde problemas são analisados e tratados de maneira transdisciplinar.

[2] Conceito apresentdo por Karl Marx no livro “O Capital”

[3] O professor italiano Massimo Canefacci chama o indíviduo contemporâneo de multivíduo, um indíviduos com múltiplos “eus” criativos.

[4] Capitalizing on Complexity, IBM, 2010.

[5] State of Create Study, Adobe, April 2012.

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Alguns highlights dos resultados da pesquisa 2013 “Gestão da Inovação no Brasil”:

– A inovação entrou definitivamente na agenda estratégica das empresas;

– Foco maior na inovação de processos, produtos e serviços. Menos ênfase na inovação no supply chain, canais e redes;

– Diversificação do portfolio de produtos e serviços sem inovação não é uma boa estratégia. Agilidade no lançamento de novos produtos e serviços é uma boa estratégia;

– Tomada de decisões sobre projetos de inovação está centralizada no CEO/presidente e/ou CEO + diretoria das empresas e menos nos Comitês (ou áreas, unidades, centros) de Inovação;

– Viabilidade técnica é o item mais crítico na implementação dos projetos de inovação;

– Os processos de “Open Innovation” são em geral ainda pouco utilizados, no entanto as práticas de cocriação (com diferentes stakeholders) têm sido uma das mais utilizadas pelas empresas inovadoras;

– Gestão de projetos é a ferramenta mais utilizada nos projetos de inovação;

– Fazer experimentação (com testes e projetos piloto) e ter um sistema de gestão da inovação são os itens mais importantes na implementação do processo de inovação;

– Poucas empresas brasileiras exploram os incentivos oferecidos pelo Governo;

– Baixo monitoramento e controle dos projetos de inovação;

– Sistema de incentivos de indivíduos e grupos desalinhado com a estratégia de inovação.

– Empresas inovadoras promovem um ambiente de confiança e diálogo.

Para acessar a pesquisa completa: http://slidesha.re/16VGpFC

Gawain-Heros-Journey

Contexto

A virada do atual milênio pode ter provocado nas pessoas algo similar ao que aconteceu na virada do século XIX para o XX no campo da cultura e do conhecimento. O florescimento de novos pensamentos ou resgate de antigos fez intensificar modos de pensar mais holísticos procurando integrar distintos campos do conhecimento na busca por novas respostas para novos e antigos problemas[1]. Uma certa sincronicidade entre as pessoas cria consciência global e autocrítica sobre os modelos vigentes (econômicos, sociais, tecnológicos, políticos e ambientais), com os quais vínhamos projetando nossas sociedades. Esta inquietação está presente, quer gostemos ou não, em nosso zeitgeist (espírito do tempo) e tem nos possibilitado agir, ainda que timidamente, sobre os desafios ou dilemas que nos afligem: reduzir o aquecimento global, rever a medida de riqueza de um país (do Produto Interno Bruto para a Felicidade Interna Bruta ou a prosperidade sem crescimento[2]), rever nosso estilo de vida (má alimentação, sedentarismo) ou mesmo a maneira como as organização são organizadas.

Diante deste fenômeno ainda indefinido, dado que estamos vivendo no meio dele e dificilmente na história extraímos conclusões precipitadas sobre o que está acontecendo no instante histórico, alguns podem facilmente associá-lo ao renascimento italiano ou aos tempos gloriosos na Grécia. O fato é que nestes novos tempos surge um despertar criativo e o impulso de que precisamos mesmo desaprender para criar novos modelos, processos e sistemas. Especialmente nos países emergentes como o Brasil e seus viznhos latino americanos, mais jovens e que, em tese, têm menos para esquecer.

Desde a revolução industrial presenciamos o divórcio entre o pensar e o fazer, entre o criar e a criação; Marx chamou isto de alienação[3]: quando o artesão de ofício perde para as indústrias as ferramentas e os recursos para viabilizar sua criação. Curiosamente, hoje espalham-se por algumas cidades os espaços makers em que qualquer indivíduo pode projetar e, com auxílio de uma simples impressora 3D, prototipar suas próprias criações. O movimento das start ups, protagonizado desde o final da década de noventa por jovens empreendedores no Vale do Silício (California), impulsiona novos negócios com escala global, graças à tecnologia digital. Jovens startupers não estudam em escolas de negócios para se tornarem executivos mas preferem aprender com mentores. Ora, mentores como mestres, makers como oficinas de criação, não estaríamos retornando ao sistema do artesão de oficio após três séculos de massificação, mecanização, padronização?

Diversos estudos, um deles realizado pela Ibm com 1500 lideranças[4] e confirmado por outro da Adobe[5], sugerem que sem a liderança criativa (creative leadership) ou a confiança criativa (creative confidence) não será possível solucionar os desafios capcciosos do nosso tempo. A criatividade aplicada nos campos empresarial ou social é aquela que gera impacto na vida das pessoas, no ecosistema em que vivemos com geração de valor econômico ou social, também chamado de inovação. Trabalhar em prol da inovação surge então como uma escolha, às vezes  individual, de pequenas equipes, organizações ou grupos sociais. Inovar passa a ser um ativismo pacifico, às vezes apostólico. Minando, integrando ou fazendo surgir novos modos de pensar, despertando consciência, catalisando novas respostas ou (re)projetando modelos, esta é a tarefa do ativista da inovação. Hoje vivemos o futuro do passado: alguém (algum ativista) projetou os artefatos, o ambiente, as instituições, as regras nas quais vivemos atualmente. Nosso estilo de vida móvel, disperso, conectado, isto foi projetado por empresas como Google, Apple e Microsoft há 15-20 anos atrás. Quem será que está criando e projetando o futuro do presente? E o futuro do futuro?

A inovação também nasce da consciência de que o ser humano não é o único ser vivo no planeta e cujos interações (sociais ou com o meio ambiente) são tão importantes quanto o seu próprio sentir-se bem. Projetar objetos simples, funcionais e acessíveis para as pessoas, esta foi por quase um século a tarefa do artista industrial (o designer), desde que a escola alemã Bauhaus decide nos anos 20-30 contribuir com a massificação dos produtos pelo design. O modo de pensar do design clássico segue a lógica industrial do input (materiais) -> processo (engenharia, manufatura) -> output (das coisas nascem coisas). Mas na verdade estes designers nunca se questionaram para onde vão as coisas depois que as coisas são consumidas ou que designers foram designados para projetar produtos com obsolescência programada (feitos para durar pouco), para que novos produtos fossem projetados, produzidos e consumidos, afinal é assim que deve funcionar a máquina industrial capitalista. Pensar e agir desta forma parece ter sido um capricho antropocêntrico iniciado cinco séculos antes, no Renascimento. Ultimamente nosso novo modo de pensar projeta redes sociais ou arranjos sociais (tarefa esta de muitos governos, ONGs e algumas empresas); Ou novas interações, com o meio ambiente por exemplo, visando reduzir os danos à natureza associando os projetos com iniciativas tipo zero footprint, emissões de baixo carbono, reutilização e reciclagem. O design para um mundo complexo  – o mundo sempre foi complexo, nós é que o simplificamos, o reduzimos por um tempo – passou a ser a tarefa de projetar interações ou (re)conexão entre atores, sejam eles humanos ou não humanos – plantas, animais, objetos, rios.

A Jornada

Ativismo é tarefa de heróis e heróis vivem em jornadas cujo fim desconhecem. A essência da inovação é que não se sabe de antemão o que ela será. Portanto no início de qualquer desafio criativo, reconhecemos que não sabemos a resposta nem muitas vezes direito a própria pergunta e ficamos abertos a novas ideias que ainda não estão presentes na estrutura do nosso pensamento atual. Preparar-se para a inovação é um grande desafio para indivíduos normalmente treinados e recompensados por sua capacidade de controlar, gerar confiabilidade e alcançarem aquilo que foi previsto. Aqueles que trabalham com inovação aceitam esse pulo no desconhecido e usar processos abdutivos em que a criação precede a certeza.

Em 1949 o mitólogo Joseph Campbell publicava “O Herói de Mil Faces” que na essência traça a Jornada do Herói como um padrão recorrente nos mitos de diversos povos ao longo da história:

“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído, levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o dragão, oferenda, (…)); pode, da mesma maneira, ser morto pelo oponente e descer morto (…). Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas dos quais o ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliaries). Quando chega ao nadir (…) o herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser representado (…) pelo reconhecimento por parte do pai-criador (…), pela sua própria divinização (apoteose) (…); intrinsicamente trata-se de uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação, transfiguração, libertação). O trabalho final é o do retorno. (…), ele agora retorna sob sua proteção (emissário), se não for esse o caso, ele empreende uma fuga e é perseguido. (…), as forças transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A benção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir).”[6]

Como seria na jornada de inovação? As jornadas de inovação nos remetem tanto à ação (ao homo faber), à intervenção no meio em que vivemos, mas sobretudo à criação (ao homo ludens). Toda a atividade de inovação não faria sentido se não houvesse uma modificação no status quo. O design na inovação trabalha a criação com busca de soluções para desafios ou problemas. Para tanto, trilham-se pelo menos três caminhos:

–       o da exploração: de novos espaços e possibilidades, pela observação (de tendências, pessoas e contextos socioculturais) e pesquisas em diversos campos do conhecimento. A exploração  revela necessidades, preocupações, aspirações e valores humanos e sociais, utilizando esta compreensão como fonte de inspiração para ideias e novas experiências. A exploração cria insights.

–       o da concepção: para ideação, configuração e prototipação de ideias e conceitos, teste e validação destas ideias e conceitos com as pessoas e adequação às restrições e realidade do mundo. A concepção cria ideias.

–       o da experimentação e desenvolvimento: com o startup desta ideia e sucessivas iterações e modificações até se chegar a algo concreto e de impacto. A experimentação e o desenvolvimento cria coisas.

As jornadas de inovação trabalham em projetos de um futuro que se aproxima, cujas tendências já estão evidentes ou emergindo, de necessidades possíveis de serem observadas, analisadas e experimentadas. Portanto desdobram-se em projetos do tipo Now ou Next”, que vão moldar nossa vida nos próximos 10 anos. Já pensar em cenários futuros nos permite hoje criar conceitos e incubar projetos inusitados ou improváveis no  zeitgeist atual. Os projetos do After Next trabalham essencialmente o sonho em moldar um futuro que ainda não existe, o que está por vir.

A jornada do inovador, aquele que transforma o mundo enquanto se transforma, pode ser comparada à jornada do herói de Campbell. Para exemplificar, alguns indivíduos e suas jornadas: Richard Branson (Virgin), Jorge Paulo Lehmann (Inbev), Michael Dell (Dell), Samuel Klein (Casas Bahia), Howard Schulz (Starbucks), Pedro Passos, Guilherme Leal e Luiz Seabra (Natura), Steve Jobs (Apple) e Fábio Barbosa (Banco Real).

Aquele que se move para a jornada o faz por intuição, por um chamado, uma causa maior, por exemplo, melhorar o mundo em que vivemos. Ou por um desafio ou problema a ser resolvido. Na maioria das vezes ele não sabe direito o que está fazendo[7].

O impulso de entrar numa jornada representa um dilema (o dilema do inovador[8]): agir ou esperar; ser o primeiro ou o segundo; errar logo para aprender ou aprender com os erros dos outros. O dilema é o guarda da passagem do Campbell do limiar da aventura.

Seu apetite ao risco, à aventura, em viver no limite entre possível e do impossível (como no mito de Ícaro[9]) é superior à média de outros indivíduos, portanto nasce a figura de um herói, às vezes misturada com a do apóstolo e do missionário.

No caminho ele vai enfrentar provações: inimigos, resistências, tentativas de interromper a jornada. Provas são barreiras materiais (falta de orçamento), técnicas (não existe tecnologia disponível), cognitivas (as pessoas não entendem), sociais (a sociedade não está pronta) ou político-regulatórias (as leis não favorecem). Provações são necessárias, mas por vezes insuportáveis e o farão desistir da jornada. Mas com determinação, a jornada continua.

Acredita que o mundo é a sua musa inspiradora, fonte de insights, e portanto ele se lança na teia multidimensional do ambiente que o cerca.

(Re)constrói conceitos que vão depois modificar a realidade:

  • assim como pensa e opera o artista ou o filósofo, ele transgride as fronteiras do conhecimento;
  • (re)questiona padrões, modelos, sistemas, processos;
  • (re)define o sentido, o significado, a relevância para as pessoas;
  • (re)combina elementos ou integra opostos;
  • joga com os paradoxos e ambiguidades, procurando se adaptar e projetar no campo de tensão entre eles;
  • rouba elementos de outros contextos[10].
  • analisa um problema com lentes diferentes (multidisciplinariedade) daquela lente que normalmente se emprega para se analisar este problema. Por exemplo, um administrador fazendo etnografia (que vem da antropologia) para tentar entender os stakeholders. Junta conhecimentos (interdisplinariedade) ou ainda integra os conhecimentos gerando algo novo (transcidiplinariedade)[11]
  • cria ficções, cenários futuros possíveis ou prováveis e projeta a partir dele.

Motivado por força maior, ele pode e deve receber auxílio (intelectual, técnico, material) de pessoas que pensam e agem como ele.

Ele sai da realidade, por um tempo, e vive em um lugar idealizado, imaginado, fantástico. Mas quando volta precisa deixar de lado a mágica e adequar o idealizado à realidade em que vive na forma de artefatos/produtos, serviços, ambientes, processos, negócios que transformam nossa experiência no mundo. Ao fazer isto, enfrentará novamente as forças do sistema: uma parte vai adorá-lo (adesão das pessoas à inovação), outra parte vai excluí-lo (o julgarão inadequado, herege, revolucionário), colocando-o no ostracismo e no esquecimento. A tarefa de adequação tem quatro dimensões:

  • o da desejabilidade: do sentido, do significado, da relevância (valor) que uma determinada ideia provoca nas pessoas.
  • o da factibilidade: da existência de tecnologia, de capacidade técnica para transformar as ideias em algo concreto em artefatos/produtos, serviços, ambientes, processos e negócios.
  • o da viabilidade: da possibilidade de empregar recursos financeiros (investir nas ideias e conceitos) e com o tempo recuperar estes recursos com ganho econômico ou social.
  • o da compatibilidade: com o modo de pensar daqueles que decidem apostar na ideia e, neste sentido, quanto maior for o grau de disrupção da criação, maior a necessidade de se estabelecerem premissas a serem compatibilizadas com quem vai investir na ideia.

Assim como faz o artista industrial (o designer), uma de suas maiores provações é experimentar suas ideias na prática através de protótipos e projetos piloto e a partir daí modificar sua ideia original.

Ao longo da jornada a consciência do indivíduo vai se expandindo, afinal “a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao tamanho original” (Albert Einstein).

O Herói, aquele que se lança na jornada de inovação se arrisca em mudar o status quo aceita o desafio, as provações que poderão levá-lo à glória e realização, mas que também poderão conduzi-lo à queda, como no mito de Ícaros ou ser condenado ao esquecimento, como no mito de Prometeu.


[1] A biomimética, por exemplo, emprega conceitos da biologia e da ecologia para solucionar problemas das empresas. No campo tecnológico, a convergência tecnológica tornou-se um mantra em escolas como o MIT e a Singularity University nos EUA onde se tem procurado integrar tecnologia da informação com biotecnologia, nanotecnologia e ciências cognitivas.

[2] Jackson, Tim, “Prosperity without Growth: Economics for a Finite Planet”, Earthscan, 2009.

[3] Conceito apresentdo no livro “O Capital” de Karl Marx.

[4] Capitalizing on Complexity, IBM, 2010.

[5] State of Create Study, Adobe, April 2012.

[6] Campbell, J., O Herói de Mil Faces, páginas 241-241, Cultrix-Pensamento, 15a edição, 2008.

[7] Drucker, Peter, Innovation and Enterpreneurship, Harper Perennial, 1985.

[8] Expressão criada pelo professor de Harvard Clayton Christensen.

[9] Ícaro aceita desafio o pai (Dédalus) a voar perto do sol, mas suas asas são de cera e vão derreter, logo Ícaro vai cair.

[10] Alusão ao mito do herói Prometeu que rouba o fogo dos deuses para entregá-lo aos homens e como punição foi acorrentado pelos deuses. Segundo David Landes, a revolução industrial do século XVIII foi o momento de libertação do Prometeu (vide Landes, David S., “Prometeu Desacorrentado”, Campus Elsevier, 2a edição, 2005).

[11] Para saber mais, vide “O Manifesto da Transdisciplinariedade” de Basarab Nicolescu, Triom, 1999.

social-engagement

Os governos, a sociedade civil e organizações sociais estão diante de uma oportunidade única de engajar os diversos públicos, mobilizando as pessoas e a inteligência coletiva em favor do desenvolvimento e melhor qualidade de vida. Um ponto comum nas manifestações que ocorrem pelo país é o uso de plataformas de engajamento que têm conectado cidadãos, voluntários e empreendedores sociais. As manifestações têm sido registradas em tempo real por meio de plataformas online já conhecidas como Facebook ou Twitter. A pergunta, ainda sem resposta, feita pelos próprios manifestante, pelos governos e outros atores sociais é como alinhar as demandas, cocriar propostas e articular ações efetivas que sejam convertidas em benefícios públicos de valor para todos.

Os movimentos estão acontecendo em duas dimensões. Uma primeira dimensão é a mobilização e protagonismo social em que os públicos participam da construção de ideias de projetos e políticas públicas, que é exatamente o clamor das ruas do Brasil. O governo brasileiro ainda não tem canais adequados (plataformas de engajamento) nem processos estruturados e legítimos para dialogar com a sociedade e impulsionar a democracia participativa.  De forma fragmentada e ainda não percebida pela maioria da população, a mobilização e protagonismo social já é algo visível nos últimos 5 anos.

Comecemos com um bom exemplo fora do Brasil. No final de 2006, o prefeito Oh Se-Hoon, de Seul, Coréia do Sul, lançou ao público uma plataforma de ideias online chamada OASIS (oasis.seoul.go.kr) para impulsionar a criatividade e a imaginação da administração municipal, trazendo cidadãos como participantes ativos de ideias para projetos e políticas públicas. O prefeito incentivou a população de Seul com 10 milhões de habitantes a participar desta plataforma e como resultado mais de 3000 ideias foram recebidas por mês no primeiro ano e avaliadas pelo Instituto de Desenvolvimento de Seul que reúne experts em áreas como transporte, lazer e educação. Desde então em torno de 80 projetos foram cocriados com a população e implementados pela Prefeitura.  Enquanto outros sistemas institucionais ao redor do mundo tendem a focar as reclamações dos cidadãos, o OASIS enquanto plataforma de ideação e articulação das ideias permite o surgimento de um governo responsivo, melhorando a imagem e aumentando a confiança nas instituições que governam.

O Rio Grande do Sul enfrentava sérios problemas financeiros em 2005. Em 2006, lideranças empresariais se reuniram com lideranças políticas e sociais para propor um vasto programa para recuperação econômica e social do estado. Tais atores decidiram propor um processo profundo para uma recuperação social e econômica. Articulações políticas tiveram início em diversas esferas no intuito de conduzir uma transformação legítima e a iniciativa foi denominada Agenda 2020 para engajar não só membros das organizações empresariais patrocinadoras, mas todo o sistema, incluindo representantes das ONGs, governo, líderes políticos, educadores e outros. Partindo de uma plataforma democrática de engajamento ao vivo com 1000 representantes da sociedade, foi criada a visão e os objetivos do Rio Grande do Sul para 2020. A Agenda 2020 tem hoje 12 fóruns temáticos (como o fórum de infra-estrutura, desenvolvimento tecnológico, cidadania e educação) formados por especialistas e voluntários que juntos formulam e articulam junto ao governo, empresários e organizações sociais projetos que já estão fazendo a diferença no estado.

A cidade Porto Alegre criou um sistema inovador para formular e acompanhar o orçamento municipal, o chamado Orçamento Participativo. Os técnicos e lideranças de governo decidem o destino dos gastos públicos com cidadãos por meio de deliberação e processos de consulta. Juntos definem os valores dos gastos, assim como onde e quando os investimentos serão realizados, quais são as prioridades e que planos e ações serão desenvolvidos pela prefeitura. Com o Orçamento Participativo, as obras básicas de saneamento, por exemplo, passaram a ser prioridade. Isso permitiu um aumento no fornecimento de água, entre 1990 e o início de 1995, de 400 mil residências para 465 mil. Hoje, quase 100% dos domicílios contam com o serviço.

A Rede Nossa São Paulo (www.nossasaopaulo.org.br) tem mobilizado milhares de cidadãos em busca de uma cidade melhor para se viver e trabalhar, cocriando ideias e cobrando com metas a prefeitura da cidade de São Paulo. Mais de 700 organizações da sociedade civil integram a rede, que é absolutamente apartidária, não tem presidente nem diretoria e se constituiu e se expande de forma horizontal por meio de grupos de trabalho, um observatório cidadão (com indicadores referência do bem-estar do município), um fórum empresarial de apoio à cidade, debates e seminários, pesquisas e campanhas de mobilização social. Espera-se contar com a participação de toda a sociedade para reunir ideias e propor ações que possam contribuir para o desenvolvimento justo e sustentável da cidade em áreas essenciais como Educação, Meio Ambiente, Segurança, Lazer e Cultura, Trabalho, Transporte, Moradia, Saúde e Serviços.

Todos Pela Educação é outro exemplo de movimento brasileiro fundado por empresas privadas que reúne empresários, educadores e gestores públicos. Seguindo um intenso diálogo com públicos, o movimento deu início em 2006 com a missão de “Contribuir para o direito de toda criança e jovem efetivamente exercer seu direito de acesso a uma educação básica de qualidade até 2022”. Tal iniciativa continua ativa sob a forma de uma ONG que foca essencialmente na qualidade educacional, condições para acesso à educação básica e nível de investimento público brasileiro na educação. O Todos Pela Educação se tornou uma plataforma independente cocriativa de engajamento onde educadores, empresários, mídia e governo brasileiros podem se encontrar, discutir abertamente iniciativas estratégicas e monitorar a performance da educação básica no país.

Os exemplos OASIS em Seul, Agenda 2020, Todos Pela Educação, Rede Nossa São Paulo e Orçamento Participativo da Prefeitura de Porto Alegre sugerem que democracias participativas podem engajar cidadãos que de outra forma não estariam participando no gestão e governança pública. E fazem muito mais de modo intencional, transformador, cocriativo e integrativo.

A segunda dimensão deste movimento, ainda tímida no Brasil, trata do empreendedorismo social e procura reunir efetivamente cidadãos, voluntários e empreendedores sociais para colaborar na execução de projetos e serviços públicos, visando melhorar a qualidade de vida das cidades e da sociedade pela ação articulada entre os públicos. As plataformas de engajamento podem estar em qualquer local do ecossistema de criação de valor em que o governo e sociedade operam, projetadas para diversos propósitos:

  • partindo de desafios lançados pelo governo ou ONGs em diversas áreas como transportes, educação ou lazer, busca-se melhorar a cooperação por meio de parcerias, financiamento colaborativo (crowdfunding) ou até mesmo doações colaborativas (crowddonor). Nos EUA, iniciativas como a challenge.gov (o governo convida empreendedores a empreenderem soluções para problemas sociais) ou a a DonorsChoose.org (cada um de nós doa dólares para projetos educacionais). Grande parte dos projetos de empreendedorismo social tem sido viabilizados graças a escalabilidade ofereceida pela tecnologia digital.
  • estimular uma tomada de decisões mais inteligente em que cada indivíduo de posse de tecnologias digitais (ex: celulares, tablets) se torna um sensor capaz de colaborar com dados e informações em tempo real sobre o que está acontecendo nas cidades; No Brasil, o COLAB que é um aplicativo desenvolvido por jovens empreendedores do Recife, possibilita à população informar, discutir ou propor soluções para suas cidades, começando por probemas cotidianos como ruas esburacadas, muros pixados, esgotos a céu aberto ou bairos com problemas de segurança. Nos EUA o Open Government Plataform (OGPL) e a Índia com o data.gov.in expandiram ainda mais este tipo iniciativa, a partir do governo.
  • apoiar com uma entrega superior de serviços públicos. Este é o caso por exemplo das parcerias publico-privadas no setor de saúde, por exemplo no caso do Hospital M’Boi Mirim em que o governo contratou o Hospital Albert Einstein para entregar um serviço social de saúde pública em uma região pobre de São Paulo no padrão Einsetin.

O Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) é um exemplo interessante. O MAPA instalou câmaras setoriais e temáticas. A visão por detrás das câmaras foi um panorama sistêmico de conexão entre diferentes atores (privados, públicos e sociais) relacionado à cadeia de valor do agronegócio. Desde então, 24 agenda estratégicas setoriais tem sido cocriadas com a participação de seus respectivos públicos. A câmara setorial da borracha é uma das mais ativas, tendo evoluído para uma série de interações com o governo, empresários, prestadores de serviços e instituições de educação. Em 2012, uma plataforma ao vivo de cocriação permitiu emergir duas iniciativas estratégicas fruto da colaboração entre organizações, públicas, privadas e sociais. Uma delas está relacionada às estatísticas do agronegócio no país e à disponibilização de dados escassos sobre áreas de produção de borracha utilizando coletores de dados por todo o país unidos a GPSs e tecnologias de sensores. Outra iniciativa está começando a transformar a carreira dos profissionais técnicos da borracha ao oferecer mais opções de treinamentos técnicos, buscando expertise pedagógica e firmando parcerias com centros especializados a fim de expandir as possibilidades de carreira. O MAPA tem ampliado sua capacidade de execução além das restrições de recursos ao permitir que plataformas de engajamento  conectem os públicos, assumindo que o governo sozinho não será capaz de lidar com os complexos desafios de agronegócio dos próximos 20 anos.

O Brasil como um caldeirão de raças e culturas têm os ingredientes e o potencial para aumentar a sua produtividade, o crescimento e desenvovimento, fortalecendo seu tecido social por meio da cocriação. Plataformas de engajamento para cidades, estados e para o país em áreas críticas como educação, saúde, infraestrutura e meio ambiente podem se tornar a tecnologia social que irá possibilitar esta transformação.

Um frame para pensar a inovação *

 

* Prévia do artigo que será em breve publicado em revistas. Por André Ribeiro Coutinho, um dos sócios e arquiteto de inovação pela Symnetics. Professor dos MBAs e programas executivos da Business School São Paulo e HSM Educação. Coautor dos livros “Gestão da Estratégia” e “O Ativista da Estratégia”, ambos pela editora Campus Elsevier.

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Se a gente for conversar com empresários e executivos no Brasil vai perceber que, ao menos no discurso, a inovação entrou definitivamente na agenda estratégica das empresas. Desde o início dos anos 90, quando as empresas brasileiras começam a efetivamente enfrentar a globalização dos negócios, ser competitivo se tornou sinônimo de gestão, qualidade e eficiência. Não só empresas, mas diversas instituições se mobilizaram neste sentido no páis: criou-se um prêmio nacional e programas/prêmios estaduais de qualidade; as universidades e consultorias se fortaleceram no país ao incorporar conceitos e práticas internacionais de gestão; e a mídia passou a estoriar e divulgar casos de excelência. Mas em inovação nos negócios, o país sempre careceu de visão, conhecimento e iniciativa de suas lideranças no âmbito das empresas  e, das instituições, de uma ação articulada entre empresas, centros de pesquisa e governo (na chamada “tripla hélice”), salvo algumas “ilhas de inovação”, exceções à regra que não podemos deixar de relevar:

–       setores como o agronegócio, em que desde os anos 70 a Embrapa impulsiona uma pesquisa de ponta pró-inovação;

–       Petrobras, com um invejável centro de pesquisa, o Cenpes;

–       Embraer, apoiada pelo Centro de Tecnologia Aeronáutica e ITA;

–       Outros setores impulsionados pela atitude empreendedora e persistência individual de seus fundadores: cosméticos (Natura, O Boticario), metal-mecânico (Randon, Marcopolo) ou financeiro (Itaú, Bradesco).

O caminho é longo, mas estamos mais consicentes de que o modo de pensar, os métodos e a atitude pró-inovação não são algo natural em nossas lideranças e que precisam ser desenvolvidos. Talvez esta seja a razão pelas quais muitas das agendas estratégicas de inovação não saiam do discurso. E por que somos assim?

–       do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, sempre prevaleceu o paradigma de que toda a pesquisa e desenvolvimento (P&D) original de produtos acontecia fora do Brasil (sobretudo na Europa e Estados Unidos). Ou melhor, do P&D, (quase) nenhum P e pouco D era realizado no Brasil. As multinacionais atuando aqui só reforçaram este paradigma. Recentemente alguma atividade de P&D passou a ser “transferida” para o país (Fiat, Ibm, Johnson & Johnson e Syngenta são exemplos neste sentido), em uma “inovação reversa” das filiais para as matrizes destas empresas;

–       pensar a longo prazo sempre foi um desafio. Boa parte das lideranças que ainda comandam as empresas brasileiras viveram os anos de hiperinflação e instabilidade econômica da década perdida (anos 80) em que longo prazo era planejar o próximo ano fiscal. Desta forma foi só a partir de 1995 (após o sucesso do Plano Real) que estas empresas começaram a formular planejamentos estratégicos para um horizonte de 3 a 5 anos;

–       o  tamanho do mercado doméstico foi e continua sendo um fenômeno sedutor e até uma boa desculpa para as empresas brasileiras permanecerem no país, adiarem ou até reduzirem sua exposição internacional, tanto de lá para cá (trazendo novas tendências, ideias de produtos, serviços e tecnologias) como daqui para lá (internacionalizando nossas empresas). A menor exposição do país ao mercado internacional faz com que nos contentemos com o que produzimos e entregamos nos padrões daqui;

–       o traço cultural do brasileiro de que tecnologias ou produtos mais sofisticados importados são melhores do que os nacionais pode e deve ter inibido o desenvolvimento amplo dos setores de alta tecnologia que agregam mais valor à economia do país como eletroeletrônico, software e bens de capital;

–       o paradigma de que pesquisa pura (teórica) se faz na universidade e aplicada (prática) se faz nas empresas, ou seja, o pouco diálogo entre universidades e empresas, sem contar com o fato de que os melhores centros de pesquisa no país estão em universidades públicas, cujo viés de pesquisa é voltado para o bem público e não privado, afasta projetos da iniciativa privada;

–       há de se reconhecer que empreender e investir em inovação com risco em um país cujas condições básicas e o ambiente de negócios está longe de ser favorável não é algo simples, haja vista nossa infra-estrutura precária e carga tributária incompatível com nossos negócios.

Curiosamente há 30 anos o Japão, há 20 a Coréia do Sul e há 10 a China conseguiam romper com um quadro similar a este. Empresas coreanos estão hoje entre os maiores e melhores players internacionais no setor de eletroeletrônicos (Samsung, LG) ou automotivo (Hyundai, Kia). Não precisamos ir longe, pois o Chile decidiu impulsionar a economia criativa: a Startup  Chile já é o mais importante programa de estímulo a novos negócios tipo startups da América Latina e 2013 é o ano da inovação promovido pelo governo chileno em parceria com empresários do país.

Algum esforço tem sido realizado no Brasil a exemplo da MEI-Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI-Confederação Nacional da Indústria que já teve alguns desdobramentos, entre eles o anúncio de mais de 20 Institutos Senai de Inovação, e de algumas leis como a lei do Bem de incentivo à inovação. Alguns empresários e executivos brasileiros têm se empenhado em capacitor seus profissionais, é o que mostra uma pesquisa da Symnetics de 2012 – educar profissionais é o investimento número 1 quando se fala em inovação, e também investir em projetos piloto experimentais de inovação e novos negócios (em 2o lugar na pesquisa).

O frame (moldura) sobre o qual vamos nos debruçar nas próximas páginas tem como objetivo possibilitar uma autoreflexão sobre a o modo de pensar, os métodos e a atitude das lideranças sobre a inovação nos negócios. Este frame não se trata de um modelo, mas de uma lente ou organizador de ideias sobre o significado e o impacto da inovação que se pretender buscar. Este frame melhor seria denominado um metaframe, já que é uma maneira de refletir sobre o que se está pensando e fazendo e pode orientar estratégias, planos, ações ou minimamente despertar consciência nesta direção. Este frame procura ir além dos “modelos” da gestão convencionais (como sistemas, processos, indicadores). Tais “modelos” são importantes para sistematizar e perpetuar a inovação nas empresas, mas sem que os elementos do frame aqui apresentados sejam trabalhados, acreditamos que tais “modelos” carecem de conteúdo e se transformam numa mera gestão da inovação vazia, “do processo pelo processo”. Ilustraremos com exemplos (práticas) em 2 dimensões, uma das empresas e outra de instituições de apoio (universidades, institutos, governos, entre outras).

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Figura 1: Frame (ou metaframe) para pensar a inovação[1]

O Aprender

 

Os processos de inovação são únicos e refletem a cultura, o “DNA” das organizações. Não existe uma fórmula, prescrição ou melhor prática de inovação. Cada empresa construiu seu próprio modo de pensar e fazer as coisas e aprendeu de forma consciente ou não por 3 trilhas:

–       a trilha do “aprender para a prática”: formar, educar lideranças, gestores e outros profissionais em modos de pensar, conceitos, métodos e ferramentas próprios da inovação (a exemplo do design, cocriação, futurismo estratégico, inteligência tecnológica, entre outros). Na figura 2 apresentamos grande parte deste conhecimento disponível, organizado em  diferentes “linhas”;

 

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Figura 2: Uma tentativa de explicitar o “Safári” da inovação. A coluna esquerda representa as diferentes “linhas” e a coluna direita os conceitos e métodos disponíveis em cada linha.

–       a trilha do “aprender na prática”: o conhecimento para a prática pode dar o estímulo, o impulso inicial para as iniciativas de inovação, no entanto a cultura só será enriquecida depois da experimentação (aprender fazendo via projetos piloto) em que de fato a aplicação dos conceitos e métodos são efetivamente testados e ajustados ao contexto de cada empresa;

–       a trilha do “aprender sobre a prática”: trocar conhecimentos e experiências sobre os projetos e processos vividos, refletir sobre o aprendizado gerado pela ação prática; Instituir fóruns, ambientes e plataformas físicas ou virtuais para que isto aconteça.

 

O Protagonizar

 

A instância do protagonismo acontece não só na visão mas na atitude das lideranças de fazer as coisas acontecerem dentro e fora das empresas. Internamente ou externamente, ela ocorre:

–       pela articulação com stakeholders, públicos de interesse como governos, centros de pesquisa, fornecedores, parceiros de negócio e sociedade;

–       ações de influência, persuasão e mobilização (dentro e fora das empresas);

–       projeção das empresas para além do convencional no ambiente em que elas estão inseridas;

–       incentivo e reconhecimento.

Um das tendências mais estudadas na atualidade têm sido o da busca de “valor social compartilhado” (shared value), em que as empresas têm procurado liderar movimentos de engajamento dos stakeholders (por exemplo fornecedores parceiros, a comunidade ou prefeituras) no intuito de criar valor social (para além do valor gerado ao acionista), prometendo um jogo “ganha-ganha” para todas as partes envolvidas.

Protagonizar é muitas vezes a tarefa de uma única pessoa dentro na empresa, que desperta para um propósito e impulso além dos limites pré-estabelecidos e decide se empenhar em uma “jornada” cujo fim ela desconhece. Para citar alguns nomes brasileiros, no setor privado temos Romeo Busarello (Tecnisa), João Ciaco (Fiat), Paulo Amorim (Dell), Ronald Dauscha (Siemens), Fábio Barbosa (Real e Santander), Harry Grandberg (Villares Metals) e Paulo Rossi (Mapfre Seguros). E no setor público e social, Jorge Gerdau (Gerdau, Câmara de Gestão e Competitividade do Governo Federal), Jorge Lehman (Imbev, Endeavour), Pedro Passos (Natura, Fundação Nacional da Qualidade) e Rodrigo Loures (Nutrimental, CNI).

 

O Construir

Construção nos remete à ação, ao homo faber, mas também a concepção, a criação e a intervenção no meio em que vivemos. Toda a atividade de inovação não faria sentido se não houvessem projetos que modificam o status quo. O design (cuja melhor tradução em português é “projetar”), trata justamente de um movimento contínuo de busca de soluções para desafios estratégicos (mais abstratos, semi ou não estruturados) ou problemas empresariais (mais concretos, semi ou bem estruturados): para tanto, trilha-se um caminho de exploração (de novos espaços, novas possibilidades) e observação (tendências, pessoas e contextos sócio-culturais) com concepção, prototipagem, adequação (às restrições do negócio) e experimentação para se chegar a alguma solução nova e de impacto na sociedade.

O Construir trata também da pesquisa, prospecção e desenvolvimento tecnológico e científico aplicado a produtos e serviços através de uma “inteligência tecnológica” pró-ativa. É aí entra o papel dos centros de pesquisa (das universidades, por exemplo).

Outro componente do Construir são os novos negócios (hoje popularizados como startups), que vêm cada vez mais sendo estimuladas dentro dos próprios negócios através de incubadoras e aceleradoras visando diversificar a atuação das empresas em negócios promissores de futuro e estimular o intraempreendedorismo.

O Construir pode ocorrer de forma orgânica, com capacidades/ recursos próprios, por extensão daquilo que se conhece ou busca daquilo que não se conhece, mas que irá em algum momento se acopla ao negócio principal; Mas também pode acontecer com capacidades/recursos de terceiros, ou seja, potencializada através da rede de parceiros (cocriação, coinovação ou inovação aberta com clientes e outros stakeholders) em que o conhecimento é desenvolvido e compartilhado através de parcerias técnicas e comerciais; Ou ainda se juntando (ou adquirindo) empresas que já detêm o conhecimento daquilo que se pretende construir: este talvez seja o caminho mais rápido, porém não o mais garantido.

O Construir essencialmente trabalha em projetos de um futuro que se aproxima, cujas tendências já estão presentes ou emergindo hoje na sociedade e cujas necessidades (dos stakeholders) são possíveis de se observar, analisar e experienciar. São os projetos do tipo Next, que vão moldar os produtos, serviços, negócios e marcas no mundo nos próximos 3 a 8 anos. Em economias maduras, estes projetos de Next já estão definidos, o que não acontece com as economias emergentes, cujas empresas em geral ainda estão por constituir seus projetos nesta direção.

Outra abordagem do Construir não menos importante são todas as ações orientadas para viabilização dos projetos pela busca de fontes de financiamento e incentivos fiscais e regulamentação de marcas e patentes.

O Extrapolar

 

Há 60 anos Schumpeter defendia a destruição criadora como mola propulsora do capitalismo. Há 30 anos Peter Drucker dizia algo parecido, que inovar é um exercício de criar o futuro. Escritores como Asimov, Orwell, Huxley, Wells e diretores de cinema como Kubrick, Lucas, Spielberg, Scott projetarem em suas artes futuros possíveis (ou prováveis). A projeção de cenários futuros permite às empresas hoje criarem conceitos ou linhas de atuação sobre os quais vão investir pesquisa e desenvolvimento ou incubar projetos alternativos, inusitados ou improváveis se fossem implementados dentro do espírito do tempo (zeitgeist) do hoje. Projetos estes, se bem empreendidos, costumam ser de alto impacto e  moldam os produtos, serviços, negócios e marcas com potencial disruptivo de transformar a realidade e vida das pessoas. Muitos dos desafios com alto grau de complexidade (muitos deles sem solução) tais como o trânsito nas cidades ou a busca por fontes renováveis de energia a custo competitivo são alvo dos projetos de futuro.

O mesmo acontece quando mapeamos tendências, sobretudo os sinais fracos, utilizando uma “visão lateral” que enxerga fatos, eventos, movimentos ou apenas indícios e manifestações sem importância alguma. Pouca gente está percebendo os sinais fracos e  decidem “se antecipar”, extrapolam estes sinais no futuro e projetam algo dentro dele. Foi o que aconteceu com a tecnologia digital há 20 anos, um sinal fraco que se transformou em linhas de atuação/negócio de algumas empresas (como Apple e Samsung) e ao mesmo tempo foi negligenciado por outras (como Kodak e Xerox).

Os projetos ou processos de futurismo estratégico, também conhecido como foresight (antevisão) ou ainda After Next trabalham trabalha essencialmente o sonho das organizações e moldar do futuro (entre 10 e 30 anos). Ao contrário do que acontece nas iniciativas do Nex”, que irão melhorar aquilo que já se conhece e domina ou se adaptar às tendências atuais e emergentes, os projetos de After Nex” criam futuros possíveis (ou prováveis), moldando o que está por vir.

 

O frame e as empresas

 

Extrapolar – A Siemens e o Pictures of the Future

A Siemens institucionalizou o Pictures of the Future (POF). Através de  análises de tendências e imaginação de futuros, eles criam “Imagens do futuro”. Trabalhando com experts e formadores de opinião do mundo inteiro, a empresa consegue identificar oportunidades e transformá-las em linhas de atuação/negócio de longo prazo. O trabalho é composto pela elaboração de cenários, características e premissas de futuro, que se traduz numa visão sofisticada e abrangente. A Siemens constantemente se pergunta: quais são as tecnologias que vão transformar o mundo nos próximos 20-30 anos? Um dos focos do POF em 2013 são as cidades do futuro (2040) e suas implicações nos negócios de energia e transportes.

Aprender + Construir  – A P&G, uma pioneira no design como  competência essencial

A.G. Lafley, ex-presidente da Procter & Gamble, chamou atenção no mundo dos negócios quando colocou o Design no centro da estratégia corporativa a ponto de instituir há 10 anos uma Vice-Presidência de Design, Estratégia e Inovação. Desde então, a empresa trabalha fortemente o design como competência essencial e para tanto mobiliza dezenas de times multidisciplinares (com engenheiros, designers, antropólogos, artistas, entre outras competências) e utilizando métodos como o business design (design thinking aplicado aos negócios) e a cocriação com stakeholders, impulsiona novos produtos, negócios e marcas globais em diversas categorias tais como cuidado pessoal e limpeza. 

Protagonizar + Construir  – A IBM e as cidades inteligentes

A IBM iniciou uma mobilização da sociedade para ajudar a resolver um problema latente na sociedade: tornar as cidades mais inteligentes. Isso só será  possível caso tenhamos dados suficientes (o chamado Big Data) para tomar decisões mais rápidas e inteligentes. Buscando intensificar a captura de dados, por exemplo através sensores espalhados pelas ruas, avenidas e calçadas, a IBM se posiciona em ajudar a capturar, estruturar e analisar essa enorme quantidade de informações. A IBM faz uma intensa mobilização de atores como governos (ex: prefeituras), empresas, universidades, mídia e a própria sociedade, chamando a atenção de como é possível melhorar as cidades com mais informação e conhecimento.

Aprender + Construir  – A startup dentro das empresas

Há uma revolução silenciosa acontecendo. Empresas estão incubando e acelerando suas próprias startups, algo que antes era privilégio de jovens empreendedores do Vale do Silício (como do Google ou Facebook), que atraem continuamente startups/empreendedores. No Brasil, a Vivo criou em 2011 a Academia Wayra para incubar novas ideias financiando e apoiando startups. Há mais de 10 anos o Grupo Votorantim criava a Votorantim Novos Negócios que já fez o spin off de diversos negócios promissores na área de tecnologia de informação (ex: Tivit) e biotecnologia (ex: Alelyx).

Extrapolar + Construir – A vanguarda da Natura

A Natura experimenta deste 2006 novos processos para capturar ideias e insights da sociedade e de vários stakeholders para  inovações de produto, canais e serviços, conectados com o conceito de uma empresa sustentável que trabalha pelo “bem estar bem” das pessoas. Aproximadamente 6500 pessoas interagem com a Natura todo mês via “Natura Campus”, uma plataforma de Inovação Aberta. A linha Ekos é toda desenvolvida de forma cocriada com centenas famílias no Norte e Centro-Oeste aprendem na prática um processo sustentável de extração da matéria-prima e recebem um percentual dos ganhos da empresa com a venda de produtos. À procura de novos insights, a Natura também se preocupa com tendências e cenários futuros, tanto que em 2011 estruturou uma área de Foresight com a finalidade de capturar tendências emergentes na sociedade e no mundo do consumidor. Uma das perguntas que vem intrigando a Natura é se e como irá mudar o papel e significado dos perfumes com a mudança das relações e redes sociais.

Construir – A Philips e o design colaborativo entre indústrias

A Philips vem nos últimos 10 anos desenvolvendo projetos de design convidando empresas de outros segmentos para co-projetar novos produtos. Em 2002 se juntou à Nike para estimular e melhorar a experiência do atleta; em 2003 faz uma joint venture com a fabricante de móveis do designer italiano Giulio Cappellini. A Philips aplica esta capacidade de inovação para a criação de mercados inteiramente novos, juntando indústrias que até então operavam separadamente.

 

O frame e as instituições

 

Extrapolar + Protagonizar – Integrando tecnologias na Singularity University

A Singularity é uma universidade criada pela NASA e pelos fundadores do Google com a missão de antecipar novas tecnologias que podem dramaticamente impactar a sociedade no futuro. Eles oferecem um programa de graduação, cursos executivos, Summits e pesquisas sobre assuntos temáticos. A escola permite aos participantes compreender os desafios e oportunidades das grandes inovações tecnológicas que estão por vir. Singularidade é sinônimo de amadurecimento de uma ou mais tecnologias, criando uma nova realidade na sociedade. As principais áreas de pesquisa são ontogenética, robótica, inteligência artificial, serviços automatizados, biologia sintética, medicina regenerativa, interfaces celebrais e nanotecnologia molecular.

Extrapolar + Construir – A liberdade de criação no MIT Media Lab

 Criado em 1985, o MIT Media Lab aplica uma abordagem não ortodoxa de pesquisa para trabalhar na visão do impacto de tecnologias emergentes na vida das pessoas – tecnologias que prometem transformam as nossas vidas.          Sem restrições das disciplinas tradicionais, lab designers, engenheiros, artistas e cientistas trabalham num estilo “ateliê”, conduzindo mais de 350 projetos desde neuroengenharia, passando por educação infantil e carro do futuro. Através de uma cultura tipo “aprender fazendo”, o MIT Media lab estimula a invenção de novas possibilidades para a sociedade.

Construir + Protagonizar + Aprender – A tecnologia aplicada do Fraunhofer Institute

A Fraunhofer é maior organização de pesquisa aplicada na Europa. Trabalha através de institutos independentes em diversas áreas – saúde, segurança, comunicação, energia e meio ambiente – com projetos de impacto junto às indústrias voltado para a melhoria da vida das pessoas. Também atuam no aperefeiçoamento de métodos e técnicas de inovação e desenvolvimento tecnológico. Tem parceria com governos de diversos países, associações de indústria e outras organizações para a transferência de tecnologia (através de acordos bi-laterais ou tri-laterais) e  “exportação” do seu próprio modelo de negócio.

Construir + Aprender – Corfo e o empreendorismo e inovação “hecho en Latino America”

A Corfo (Corporación de Fomento del Producción) é um programa do governo chileno que implementa políticas públicas para o desenvolvimento econômico.  A Startup Chile, uma de suas iniciativas de maior impacto, pretende incubar e acelerar empreendimentos startups, atraindo empreendedores de todo o mundo. Além disso, promove concursos de futuro, projetos associativos e linhas de financiamento (seed money e capital de risco).

Construir + Aprender – Os espaços Makers

Bem retratado no livro “Makers” (2012) do Chris Anderson, makers são ambientes independentes ou vinculados a alguma instituição para prototipagem de artefatos/produtos. Possibilitam que empresas já constituídas ou novos empreendedores transformem suas ideias em protótipos que possam ser experimentados, testados ou comercializadas na indústria ou em um pequeno negócio. Estes espaços dispõem de impressora 3D e outros equipamentos para modelagem de produtos. Além do espaço maker voltado para artefatos/produtos, já existem também espaços gen voltados para pesquisas científicas experimentais e independentes, sobretudo em biotecnologia.

Protagonizar + Extrapolar – Cingapura e o Ministério do Futuro

Em 2006 foi criada uma unidade de Foresight no governo do Cingapura. O objetivo é não só procurar tendências e analisar as suas implicações econômicas, como também mobilizar os stakeholders para imaginarem a economia de Cingapura do futuro junto com a análise de indicadores socioeconômicos, tecnológicos, demográficos, ambientais e geopolíticos.

Protagonizar + Construir – A prefeitura de Seul convida seus 10 milhões de habitantes para cocriar uma cidade melhor

Oasis é o nome de uma plataforma social digital (rede social) Plataforma social digital instalada em 2006 pelo prefeito de Seul Oh Se-Hoon. O objetivo é cocriar com a população ideias para melhor a qualidade de vida da cidade. Mais de 40% da população de Seul (em torno de 4,2 milhões de pessoas) interagiram na plataforma e mais de 80 já projetos foram implementados desde então.

Conclusão

Encontrar um nível ótimo entre aprender, protagonizar, construir e extrapolar a inovação adaptado ao contexto de cada empresa com olhos no passado, presente e futuro é o desafio das lideranças. E reconhecer que modos de pensar, métodos e atitudes que produziram resultados no passado pela excelência em gestão, qualidade e eficiência já não são suficientes para quem está abraçando o movimento da inovação. Para tanto é necessário “operar” com um modo de pensar diferente e complexo; E assumir que embarcar nesta “jornada” irá demandar:

–       uma postura multi/transdisciplinar na concepção daquilo que se pretende: a integração ou harmonização de diversos campos do conhecimento como engenharia, arte, tecnologia, sociologia, filosofia, antropologia e administração;

–       a busca de algo que não se conhece nem se define de antemão (a exploração ou a antevisão);

–       a capacidade de experimentação, adaptação e adequação às condições (regulatórias, financeiras, tecnológicas, humanas ou sociais/culturais) impostas pela própria realidade, algo que só acontece na prática e não numa idealização contínua daquilo que se pretende, desconectado da prática;

–       um aprendizado contínuo com erros, acertos e mudanças às vezes significativas de rumo ao longo do trajeto originalmente planejado.

Do ponto de vista institucional, cabe ao governo, centros de pesquisa e outras organizações de apoio que:

–       trabalhem de forma articulada com os diversos stakeholders, protagonizando iniciativas e plataformas que preencham espaços na economia criativa;

–       acelerem o ímpeto empreendedor e incubação de ideias (do Next ao After Next);

–       trabalhem de forma antecipada e visionária em prol da solução dos problemas crônicos ou complexos da sociedade de hoje e do amanhã;

–       criem um ambiente favorável de negócios com marco regulatório, fontes de financiamento e infra-estrutura adequada.

[1] Gostaria de agradecer a colaboração nas reflexões sobre este frame e empenho nas jornadas de inovação em nosso país dos meus colegas Anderson Penha, Daniel Egger, Max Yogoro, José Barata e Teresinha Cesena.

–       novos canais com tecnologia digital e mobilidade. A tecnologia digital e a tendência crescente de consumo “on the go” (as pessoas consomem produtos e serviços em qualquer lugar a qualquer hora) fez com que o canal mobile, a internet e a televisão digital se tornassem um canal promissor de comunicação com os clientes com alto potencial se bem explorado.

–       a fragmentação dos mercados já é uma realidade em praticamente todos os setores (o efeito “Cauda Longa”). Muitas empresas brasileiras que operam no B2C ou B2B já perceberam que para atender de forma diferenciada os clientes  C, D (no B2C, as clases C e D; no B2B, a clientes C e D da curva “ABC” de receita e volume), ou continuam na mão dos distribuidores, ou criam novas experiências/modelos próprios de distribuição que incluem compra coletiva, crédito diferenciado ou serviços agregados (no B2B, a consultoria técnica).

–       as empresas se deram conta que o principal “ativo” são seus talentos (escassos no Brasil) e portanto estão projetando alternativas inovadoras de reter pessoas, desde flexibilização de funções, remuneração compatível com a disponibilidade e momento de vida de cada um. Ou abrindo espaço para o intraempreendedorismo, quebrando o mito de que corporações não fomentam empreendedores.

–       projetar produtos e serviços para novos mercados (em “espaços em branco”): o business design (design para negócios) é uma promessa para empresas que querem abraçar a inovação. No entanto o business design (que aplica o modo de pensar do design – design thinking) só vai funcionar no Brasil se levar em conta escolhas pragmáticas (factíveis, viáveis), o “time to market” (precisa ser rápido no Brasil para ocupar o mercado) e a inclusividade (os stakeholders precisam ser incluídas no processo). Da mesma forma, multinacionais brasileiras estão aprendendo a adaptar ou projetar produtos e serviços originais em mercados lá fora.

–       cocriar com clientes e outros stakeholders.  Algumas empresas brasileiras estão se tornando mais e mais cocriativas com seus diferentes públicos, “pegando carona” em uma característica dos brasileiros que é de interagir (em redes sociais), gerando benefícios para todos.

–       projetar plataformas de relacionamento: os tradicionais sistemas de CRM e programas de relacionamento tem sido substituídos por plataformas (ou portais) de relacionamento com mais valor agregado para os clientes via aplicativos e espaços interativos para colaboração. A inspiração vem das plataformas I-Tunes/I-Cloud (da Apple), Google e Facebook.

–       o “modo startup” que nos últimos 10 anos foi adotado pelos novos negócios digitais (internet, softwares) deve invadir as empresas. No Brasil empresas como Microsoft, Telefonica, SAP, Abril já estão fomentando suas próprias “startups” como fonte de receita futura.

–       tem sido um desafio projetar o que será o Brasil em 4-5 anos, imagine pensar em 10-15 anos. Também conhecido com centros de “after next”, “foresight” ou “futurismo”, esta é uma aposta de empresas como Nokia, Itaú e Embraer. Ao invés de se “adaptar às necessidades” (atuais) dos clientes se antecipar “criando necessidades futuras” e produtos/serviços que ainda não existem para um futuro possível ou provável.

–       gerar impacto social vem se tornando um grande negócio (Michael Porter chama isso de “Shared Value”). A Linha Ekos da Natura investiu no desenvolvimento de milhares de famílias em comunidades no Norte e Centro Oeste do Brasil para que se tornassem fornecedores de matéria-prima para cosméticos participando inclusive das resultados da empresa.  A Nestlé vem gradualmente deixando de ser uma empresa de alimentos para se tornar uma empresa de nutrição, mais preocupada com o impacto saúde e bem estar das pessoas.

Nos últimos 20 anos a bíblia de implementação de ideias inovadoras ficou conhecido com o “plano de negócios” (business plan). O “plano de negócios” sugere uma programação daquilo que tem que ser feito em vários campos da gestão (marketing, finanças, operações, estratégia) para que uma ideia seja viabilizada através de um novo negócio. Como todo plano, ele assume a premissa de que seguindo o plano (que é logicamente construído e analiticamente comprovado), as chances de sucesso de um novo negócio no mercado aumentam. No entanto os planos – por mais perfeitos que sejam – por vezes esquecem do  fator “adesão dos clientes ao plano”. A pergunta é o quanto de verdade os clientes estão percebendo valor pela qualidade da experiência que estão recebendo e dispostos a gastar com o seu novo produto ou serviço?

A incerteza e dinamismo dos ambientes de negócio nos quais estamos inseridos fez com que nos últimos 10 anos surgisse uma outro caminho para a implementação de ideias inovadoras. É o “Pensar Grande, Começar Pequeno e Agir Rápido”. Neste caminho os negócios são tratados como “beta negócios” em constante evolução e aperfeiçoamento em parceria com alguns clientes. É como se a adesão e a “tração” dos clientes direcionasse o ritmo de evolução do negócio em um processo de  desenvolvimento contínuo pelo e com os clientes. Quem primeiro começou a trabalhar desta forma foram as empresas “StartUps” de software, internet e mais recentemente de mídia digital, sobretudo as situadas no Vale do Silício na Califorina. As lições aprendidas são:

Pensar Grande: a visão arrojada de longo prazo ou mesmo a antevisão (pensar no futuro, no “after next”) é algo persistente na implantação  de ideias inovadoras.

Começar Pequeno: identificar um nicho de mercado ou 1-2 clientes experimentais para testar e adaptar o produto ou serviço, capturar feedbacks instantâneos e ajustar a oferta. A adesão dos clientes puxa o desenvolvimento dos produtos e serviços e não o plano de negócio. São os chamados “projetos piloto”. O lançamento do produto ou serviço no mercado e escalonamento deveria acontecer somente após este “beta teste” do projeto piloto.  Começar pequeno também significa iniciar com uma versão mais simplificada (e até mais pragmática) do produto ou serviço e ir modificando e aperfeiçoando continuamente esta versão (como se fosse o lançamento de sucessivas versões 1, 2, 3 de um software).

Agir rápido: a velocidade para fazer chegar primeira uma nova ideia ao mercado em alguns contextos (como o Brasil e China) cujos mercados consumidores são enormes em volume e tem um perfil relativamente receptivo a novidades parece ser  mais importante do que esperar vários anos antes do lançamento, como se faz por exemplo na Europa e Estados Unidos.

A seguir a lista 2012 das empresas inovadoras segundo a revista Fast Company em sua pesquisa “The 50 most Innovative Companies”. Vale destacar (em cor escura) a quantidade (40 das 50) e perfil de novos negócios beta “StartUps”, originados nos últimos 10 anos (ver em http://www.fastcompany.com/most-innovative-companies/2012/airbnb)

1

Apple

For walking the talk

2

Facebook

For 800 million reasons to share

3

Google

For expanding its hit lineup

4

Amazon

For playing the long game

5

Square

For making magic out of the mercantile

6

Twitter

For amplifying the global dialogue

7

Occupy Movement

For embodying all the traits that make a Fast Company

8

Tencent

For fueling China’s Internet boom–and boldly moving West

9

Life Technologies

For speeding up genetic sequencing

10

SolarCity

For brightening up the sun-power business

11

HBO

For being the only TV network to delight with digital

12

Southern New Hampshire University

For relentlessly reinventing higher ed, online and off

13

Tesla Motors

For boosting the art and technology of electric vehicles

14

Patagonia

For selling more by encouraging customers to buy less

15

NFL

For stoking insatiable, year-round demand for professional football

16

National Marrow Donor Program

For matching technology with critical transplant needs

17

Greenbox

For inventing the next-generation Chinese fashion brand

18

Jawbone

For rocking the mobile lifestyle

19

Airbnb

For turning spare rooms into the world’s hottest hotel chain

20

72andSunny

For winning at the intersection of Hollywood and Madison Avenue

21

Siemens AG

For its R&D ambitions in energy, transportation, and health care

22

Dropbox

For transforming file storage into a very big business

23

Kiva Systems

For turning squat robots into e-commerce giants

24

Starbucks

For infusing a steady stream of new ideas to revive its business

25

Genentech

For making targeted, genetics-based cancer therapies

26

LegalZoom

For bringing tech and accessibility to the hidebound legal industry

27

Tapjoy

For driving advertiser engagement in a million-app world

28

Polyvore

For turning everyone into a fashion editor

29

Red Bull Media House

For showing what it really means to transform yourself into a media brand

30

LinkedIn

For making itself useful even when you’re not job searching

31

Liquid Robotics

For going deep in ocean monitoring

32

Gogo

For delivering first-class entertainment to the coach-bound masses

33

Bug Agentes Biológicos

For breeding a natural alternative to harmful agricultural pesticides

34

Chipotle

For exploding all the rules of fast food

35

James Corner Field Operations

For creating intimate green spaces out of industrial urban blight

36

Narayana Hrudayalaya Hospitals

For bringing medical care to the masses

37

Recyclebank

For making eco-friendly behavior a big game

38

UPS

For solving its customers’ number-one pet peeve

39

Networked Insights

For using real-time social data to make better products and advertising

40

Chobani

For becoming a dairy superstar

41

Kickstarter

For connecting creatives with fans to raise funds

42

SoundCloud

For giving the Internet a voice

43

PayPal

For recharging the sale

44

Berg

For wildly imagining the marriage of the digital and physical worlds

45

Boo-box

For pioneering social-media advertising in Latin America

46

Amyris

For driving biofuels into the mainstream

47

Knewton

For teaching education a thing or two

48

RedBus

For taking the wheel of the $2.5 billion Indian bus-travel industry

49

OpenSky

For creating a social, celebrity-powered shopping experience

50

Y Combinator

For building the next great Silicon Valley mafia

 

Curiosamente para implementar ideias inovadoras como as “StartuUps” os empreendedores e “StartUpers” adotam os seguintes processos:

–       gestão ágil de projetos, por exemplo utilizando a técnica Scrum para dar flexibilidade, velocidade e adaptabilidade ao piloto

–       trabalhar com um monitoramento acionável, acessível e auditável de informações que possibilitem uma tomada rápida de decisões e correções de rumo

–       adotar e admitir um processo iterativo de modificação do produto ou serviço ou no modelo de negócio (a exemplo das alterações na estrutura de preços ou no mix e perfil dos canais de distribuição) no modo “beta negócio”

–       operar com uma equipe multidisciplinar combinando equipes ou perfis de competência organizacional ambidestros (empreendedores X gestores; analíticos x intuitivos; racionais x relacionais).

–       buscar investidores e fontes de financiamento para as ideias inovadoras somente depois que elas já foram testadas e ajustadas com 1-2 clientes, 6-12 meses depois do início do projeto parece ser o caminho na busca de funding para inovação. Foi-se o tempo em que uma “ideia de guardanapo” recebia dinheiro de investidores.

Os conceitos de “Startup Enxuta” de Ries (2011) e a lógica de empreender do “Start Uper” de Blank (2012) parecem se aplicar perfeitamente à implementação de projetos inovadores no mundo contemporâneo.

 

Bibligrafia selecionada 

Blank, Steve e Dorf, Bob, The Startup Owner’s Manual, K&S Ranch, 2012

Ries, Erik, A Startup Enxuta, Editora Leya, 2011

A transparência de informações tem sido mais e mais cobrada pela sociedade e neste sentido as tecnologias de informação e comunicação têm desempenhado um papel fundamental.

Mais do que o acesso a informação, a sociedade, os empresários e as organizações sem fins lucrativos estão mais ativos, conectados e engajados. A postura passiva frente aos governos e à gestão pública vem sendo, gradualmente, substituída por um maior protagonismo na construção de um futuro melhor para todos.

Os governos estão sendo gradualmente convocados rumo ao governo aberto: com mais diálogo, mais acesso, mas transparência e, sobretudo, engajamento das partes interessadas (stakeholders), tais como empresários, organizações sem fins lucrativos e a sociedade como um todo.

Em 2011, o próprio Governo Brasileiro percebeu esta tendência internacional e têm empreendido esforços que contribuam para uma governança mais transparente e responsável, tal como a Parceria para Governo Aberto das Nações Unidas, endossada pela presidente Dilma Roussef em setembro de 2011 [1].

Mais do que um receptor de informações, o cidadão moderno pode e deve ser estimulado a se engajar na formulação de políticas públicas e no desenvolvimento de projetos e serviços públicos que atendam suas necessidades. E para tanto, cabe as organizações criarem plataformas, ambientes colaborativos e construtivos.

A ideia do governo aberto nos lança para um desafio ainda maior no setor público, o de conseguir envolver ativamente empresas, a sociedades, ONGs e demais governos em iniciativas desenvolvimento econômico e social de cidades, estados e em setores estratégicas para o Brasil tais como infra-estrutura, educação e saúde.

Os pilares essenciais do Governo Aberto são a cocriação e as plataformas de engajamento:

– Cocriação para o desenvolvimento de experiências de geração de valor que sejam benéficas para todos os envolvidos

– Plataformas de engajamento: os ambientes físicos ou virtuais (via internet) de engajamento das partes interessadas (stakeholders)

Agenda 2020 Rio Grande Sul, movimento Todos Pela Educação, Nossa São Paulo, Mapa Estratégico da Indústria Brasileira (CNI/Fórum Nacional da Indústria), Mapa do Desenvolvimento do Rio de Janeiro (FIRJAN), Agenda Estratégica da Segurança para Grandes Eventos (FIESP), Fórum Ceará são iniciativas exemplos neste sentido, made in Brazil.

[1] “Brazil: Discurso da Presidenta da República, Dilma Roussef, durante cerimônia de lançamento da parceria para governo aberto – Nova Iorque/EUA” (Setembro 2011).

 

O papel do design no universo das empresas sofreu ampla modificação nos últimos anos. O “design clássico” apostava essencialmente na equação função (tecnologia) + forma (estética) na concepção de produtos e ficou conhecido pelo design industrial. O desenhista industrial trabalha simultaneamente as práticas da engenharia junto com as artes liberais e durante décadas diversas empresas apostaram no design como forma de agregar valor a seus produtos: o carro BMW, os cristais Landor, os relógios suíços, os móveis italianos são emblemas neste sentido. Uma outra linha do design desenvolvida especialmente nos EUA nas décadas de 50 e 60 ganha força e mistura arte com administração, o design de marcas. Intensificando a comunicação (via publicidade, propaganda) nos crescentes meios de comunicação, o design de marcas cria na mente do consumidor um novo valor simbólico e emocional, não à toa marcas como Coca-Cola ou McDonald’s nos soam memoráveis até os dias de hoje.

Um crescente número de lideranças vem apostando no chamado pensamento do design (design thinking). O pensamento do design é, antes de mais nada, um modo de pensar integrador, talvez mais integrador que o design industrial ou o design de marcas, e se torna uma metadisciplina (ou “transdisciplina”). A arte + engenharia do design clássico somada à engenharia + administração do design de marcas ganham um novo corpo de conhecimentos, métodos e práticas: o das humanidades e seu vasto campo de atuação, incluindo sobretudo filosofia, sociologia, psicologia e antropologia. Design passa então a ser sinônimo de arte + engenharia + administração + humanidades. Profissionais e empresas que dizem operar com design thinking, afinal de contas, estão fazendo “human centered design” (design centrado no humano). O pensamento do design pertence a um campo ainda mais amplo e estruturante do conhecimento da pós-modernidade, o pensamento complexo. Representa um estilo cognitivo de pensar e agir particular, oferecendo caminhos e respostas nos contextos complexos vividos pelas organizações privadas, públicas e do terceiro setor do século XXI. O pensamento do design evolui portanto de um design do “como fazer” (produtos, marcas) para o design do “que fazer” (estratégia, gestão, negócios).

O pensamento do design sugere que o melhor caminho para as organizações é o de desenhar futuros alternativos que tragam significado e relevância para as pessoas (arte+humanidades), que sejam válidos para elas. Mas não é só de imaginação que vive o pensamento do design, pois ele precisa tornar as ideias viáveis tecnicamente (engenharia), viáveis financeiramente e aderentes aos negócios (administração). E para colocar estas ideias em prática, criam protótipos, versões beta dos negócios e, através de um processo recursivo e iterativo, vão melhorando e transformando continuamente seus protótipos através de sucessivos experimentos piloto. A Nespresso (divisão de negócios da Nestlé) é um marco neste sentido. Em 1985 já havia sido inventado o saché-cápsula de café e anos depois uma máquina de café não tão sofisticada quanto as de hoje. Depois de uma tentativa frustrada de exploração deste produto junto ao mercado corporativo, a Nespresso decidiu modificiar o seu “protótipo” e partiu para o mercado residencial e foi daí que o negócio decolou. Em média, para acertar um modelo de negócio consistente, estudos mostram que o “protótipo” original se modifica 3-4 vezes. São os negócios em modo beta e a disciplina que as estuda é denominada “business design”.

O fato é que, em geral, as empresas (e os executivos que as comandam) normalmente não operam com este tipo de pensamento e preferem um modo de pensar e agir mais analítico, baseando as decisões em dados e fatos, na confiabilidade de uma determinada ideia. Para tanto se utilizam raciocínios indutivos ou dedutivos (de preferência com números, estimativas, previsões) para justificar a entrada em um novo mercado ou criação de um novo produto. A decisão baseada na análise fornece mais segurança e conforto ao executivo diante de uma nova ideia mas comparada às decisões baseadas na imaginação e  “validez” do design thinking não são tão menos arriscadas, sobretudo quando o ambiente em que as empresas estão inseridas é incerto e desconhecido.

Os “design thinkers”, aqueles indivíduos que pensam e operam desta forma, estão em busca de melhorar a vida das pessoas e ajudar a construir um mundo melhor para todos. O Brasil também tem os seus design thinkers. Fabio Barbosa desenhou um novo conceito de banco através da sustentabilidade, o Banco Real. Responsável por adotar no Real a estratégia dos três ps – people, planet e “profit” – Fabio sempre quis provar que a combinação sócio-ambiental garantia lucros ao longo do tempo. A visão de negócios impregnada de valores éticos e preocupações sociais e ambientais foi construída por Barbosa no Real (e recentemente a frente Santander, após a fusão entre Santander em Real). Curiosamente, a “bandeira” da sustentabilidade já vinha sendo adotada há muitos anos pelos bancos e o pioneirismo do Real foi o de inserir a sustentabilidade na gestão e nos produtos do banco. Samuel Klein criou o modelo de negócio ideal para a população de baixa renda: as Casas Bahia. A habilidade para entender as necessidades emocionais e os hábitos de compra dos clientes de baixa renda e a capacidade de viabilizar o sonho de consumo por meio do acesso ao crédito resultaram em um modelo de negócios único no varejo brasileiro. Segundo C.K. Prahalad, em seu livro A Riqueza na Base da Pirâmide, “as Casas Bahia prova minha tese a respeito da importância e da rentável oportunidade de mercado existente na base da pirâmide de renda”

Às vezes confundimos design com genialidade. No design thinking, a fantasia do gênio e sua mente brilhante, que por muito tempo habitou nosso inconsciente coletivo, é substituído por um processo multidisciplinar, passível de ser gerenciado e implementado. Ele passa a ser, essencialmente, um processo de inovação centrado em aspectos humanos, cujos métodos como observação das necessidades não atendidas das pessoas (etnografia), solução de problemas, cocriação, prototipagem, testes de ressonância com clientes incitam a inovação em produtos, serviços, processos e delineiam as estratégias empresariais promovendo, assim, a decisão sobre o que deve ser feito. O design thinker tem um sistema de autoconhecimento próprio composto de um modo de pensar e atitude próprias, métodos e experiências. O design thinker tem uma atitude voltada para a busca do desconhecido, adota a experimentação, a possibilidade de surpresa e fica à vontade para imergir na complexidade. Os principais métodos do design thinker são a observação, o diálogo criativo com múltiplos stakeholders (a cocriação), a imaginação, a prototipagem e a iteração contínua. Os negócios do design thinker estão em constante evolução, melhoria ou transformação, os negócios em modo “beta” e o desenvolvimento das habilidades de design thinking é um exercício contínuo. A exploração de soluções válidas encontrará seu contraponto na capacidade de extrair eficientemente valor das soluções que ele desenha. Finalmente, o trabalho do design thinker de desenvolver seu modo de pensar e atitudes,  métodos e experiências depende essencialmente do trabalho de colaborar com diferentes pessoas. E no seu trabalhado “metadesign”, mais importante do que soma arte + engenharia + administração + humanidades, é a sua capacidade de integrar estas perspectivas para um propósito único, o de melhorar a vida das pessoas.

Os vários processos da produção artística representam modos de pensar, sentir e agir únicos que podem ser transferidos ao processo de inovação das organizações…

Desconstrução

Aprendendo a chegar ao essencial. Esse exercício consiste em “despir” aos poucos o objeto, sabendo distinguir quais são os elementos não relevantes que podem ser removidos. Desenvolve a capacidade de sintetizar, de chegar ao essencial da questão.

Desconstrução e reconstrução

Criando novas associações. Neste exercício, alguns elementos – que talvez isoladamente não seriam suficientes para alcançar o resultado desejado – são extraídos, adaptados e realocados para obter algo novo. Desenvolve a capacidade de enxergar novas potencialidades em recursos através de novas associações.

Modificação da realidade

Pequenas intervenções de grande impacto. Neste exercício, a realidade é alterada, modificando só um ou poucos parâmetros, para atingir o resultado esperado ou criar ou máximo de impacto. Desenvolve a capacidade de “pensar fora da caixa”. Ajuda a tentar obter resultados primeiro à partir da solução mais “óbvia” (“solução aha”), sem necessidade de muitos recursos e artifícios.

Construção a partir de elementos restritos

Atingindo resultados com escassez de recursos. Na arte existe sempre uma forma mais simples e mais eficaz de alcançar um resultado. Não é preciso esperar um momento de crise para pensar de forma austera sobre o uso de recursos e a maximização dos resultados esperados. Este exercício consiste em produzir com alguma restrição (de movimento, de equipamento, de verba, etc.) já que temos que lidar com recursos limitados: estimula a criatividade e a capacidade de maximizar o resultado de uma ação, desenvolve a capacidade de sintetizar e a capacidade de atuar em situações ambíguas (ex: ambiente com excesso de política)

Destrói e conserta

Improvisações que estimulam a ação intuitiva. Este exercício envolve uma ação prévia espontânea de quase qualquer natureza como ponto de partida. Depois, é preciso “resolver”, trabalhar em cima disso. Ajuda a combater a inércia e a apatia num ambiente rapidamente mutável. Ajuda a acreditar em nossos instintos para tomada de decisão rápida, a adaptação, a improvisação, a espontaneidade e a capacidade criativa.

Construção de uma realidade imaginária

Aprendendo a interpretar os sinais e a usar nosso canais de expressão inconscientes. Os artistas tem a habilidade de captar e expressar o que está “no ar”. Incorporam tensões, tendências, questões, que as vezes não se manifestaram ainda de forma declarada na sociedade. O contato com essa forma de arte pode desenvolver a capacidade de antecipação e de interpretação de “sinais”. Praticar este exercício pode estimular percepções, e a visualização de direções (como os sonhos). É um canal para o sub-consciente.

Distância, ângulo, e troca de “olhos”

Obtendo o máximo em todos os processos. Se o artista não se afasta de vez em quando do seu trabalho, para ter uma visão do todo, ou não tenta observá-lo com sob diferentes ângulos e olhos, é provável que constate que não evoluiu de forma satisfatória. O mesmo é aplicável em tudo: se não paramos para ter múltiplas visões do que fazemos, podemos perder o rumo das coisas.

obs. texto desenvolvido com apoio do colega artista plástico Maurizio Mancioli.